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Macarrão, Bracholas, Palheta, Brusquetas...e muito mais





 



 

(Essa postagem está concorrendo ao prêmio de melhor postagem humorística de 2011 pela Associação de Blogs do Brasil... Não sei porquê, foi tudo tão sério, hehehe!!!)



Ah... Se a gente pudesse...








São tantas coisas que nós pensamos que gostaríamos que fossem verdade.




Voar, adivinhar os resultados da Megasena, saber o futuro, ter visão de raio-x, ser invulnerável, ser famoso, tantos e tantos desejos.

Essa noite eu fiquei pensando nisso:

E se eu pudesse escrever uma carta às pessoas que já se foram deste mundo?

E melhor ainda, se recebesse uma resposta.

Tantas dúvidas cairiam pelo chão, não é verdade?




Se eu pudesse fazer isso, escreveria à minha avó, que era uma mulher de mão cheia na cozinha, de um humor delicioso e uma simpatia que faria você apaixonar-se por ela em segundos, e seria, mais ou menos, assim:




Oi Vó, que saudades !!!


Faz tempo né. As vezes eu até esqueço de como era bom quando estava aqui conosco.
Confesso, que na época eu nem dava muita importância a isso, acho que era a famosa tolice juvenil, mas agora fico pensando em quantas vezes eu podia ter aproveitado mais sua companhia.

Fico lembrando de algumas coisas e tenho tanta vontade de perguntar como a senhora fazia pra ficar tão bom, com aquele gostinho de "colo", de aconchego, de família.
É tão difícil conseguirmos colocar esses ingredientes nos nossos pratos, mas, a senhora fazia isso tão bem que deixou muitas saudades, pelo menos, aqui dentro de mim.

Se puder responder essa carta, gostaria de perguntar algumas coisas, já que sei que a senhora, com certeza, está me acompanhando aí de cima e fica vendo que meu trabalho, hoje em dia, é fazer as pessoas ficarem felizes com as comidinhas que eu preparo para elas.

Algumas vezes, enquanto estou cozinhando uma massa, sinto até o gosto daquele macarrão com bracholas que servia nos domingos que a gente ia te visitar. Já tentei fazer igual, mas não deu.
Ainda falta alguma coisa que eu não descobri.

E os brigadeiros que a senhora fazia, gigantes, só para não deixar os netos sem um docinho depois do almoço.
Ah, aquilo era como chegar aí onde a senhora está agora. Era um pedacinho do céu aqui na Terra.

Por falar em Terra, as pessoas andam alvoroçadas por aqui. Perdeu-se muito daquilo que a senhora chamava de "Joie de Vivre", a alegria de viver e viver bem.
Sei que para começarmos a ter essa alegria, um bom começo se faz à mesa, com a senhora mesmo sempre disse.

Será que a senhora podia me mandar as receitas explicadinhas?

Bom, eu vou parando por aqui, porque a senhora deve estar ocupadíssima com o vovô, com as tias e os outros, afinal a senhora sempre foi o centro da alegria da casa aqui embaixo e não deve ser diferente aí em cima.

Aquelas balas puxa-puxa de limão que a senhora fazia, seriam meu pedido de última refeição, se eu pudesse escolher. Chego a sentir o o gosto delas quando lembro da senhora, mas essas eu nem ouso a pedir a receita. Nunca ficarão do mesmo jeitinho que a senhora fazia e eu ficava olhando puxar, esticar, amassar, puxar de novo...
Confesso que enquanto olhava, minha boca enchia de saliva. As vezes tinha que engolir para não fazer sujeira no chão.
Que saudades, não só das balas, mas de vê-la as fazendo. Acho que não dei o devido valor na época e hoje apenas posso lamentar isso.


Manda um beijo pra todo mundo e diga que um dia eu "terei" que visitá-los "pessoalmente", porque isso não vai dar para fugir. Só não sei se vou para o mesmo endereço que estão. Nem sempre fui bonzinho, como a senhora, pra merecer isso.


Um beijo do seu neto na Terra, por enquanto.





Demorou um tempo para eu receber a resposta, afinal os correios tanto aqui quanto os de lá são bem ruinzinhos.
A carta veio meio amassada, enrugada por água, com selo ilegível, do mesmo jeitinho que aqui embaixo, mas, chegou.

Peguei uma reconfortante xícara de chá, sentei no meu sofá e abri a carta com facilidade, afinal a cola que fecha os envelopes nos correios de lá é igualzinha a dos correios daqui, uma água com farinha muito sem vergonha.

Ansioso, comecei a ler.
E nela estava escrito assim:



Oi querido neto.

Que bom que escreveu. Estava com saudade, também, de conversar com você. Às vezes te chamo, mas você não escuta, parece surdo, pô.
Precisa prestar mais atenção nos chamados. Outras vezes eu faço balançar as árvores com um leve brisa, às vezes eu ilumino a sua sala com raios de sol, mas todas essas vezes você nem percebeu o quanto isso é incrível.
Sinto falta de tudo isso, embora não possa reclamar da estadia aqui, mas sinto falta até das gotas de chuva me molhando. Aquelas gotas que tanto você reclama quando caem bem na hora que vai abrir seu restaurante. Mesmo elas, você tem que aproveitar e, até, agradecer, porque aqui não tem nada disso. A chuva sempre cái pra baixo daqui.


Sempre olho pra baixo e vejo você, correndo pra lá e pra cá. De vez em quando, fico até tonta, mas, não tem um minuto que eu não sinta saudades de ter você no meu colo e, às vezes, até sinto seu peso amassando minhas pernas etéreas.
Outro dia, estava, até, conversando com seu avô sobre isso, mas ele cismava em ficar apalpando minhas asinhas.
Os homens dessa família, hum....vou te contar!!!



Aqui é muito bom, não tem guerras, brigas, fofocas, inveja, tramóias e barulho, a não ser quando vocês, aí de baixo, mandam uns foguetes que passam zunindo por aqui. Tem uns satélites muito barulhentos que de vez em quando passam perto, mas, de resto é uma calmaria sem fim, só quebrada quando temos uma reunião de condôminos ou um almoço com os amigos em alguma nuvem por aí.

Chamamos aqui de paraíso, também, porque não tem políticos nem banqueiros. Eles até tentam entrar, mas quando apresentam o "curriculun" na portaria são barrados pelo Pedro.



Na sua cartinha, você diz ter saudades das minhas bracholas com macarrão no domingo em que vinham me visitar, mas elas não tem nada de mais. Tinham muito carinho, isso sim, porque sabia que vocês gostavam muito e eu me esmerava em fazê-las bem feitinhas.

Eu fazia assim, mas peço desculpas porque usei bacon e lingüiças, quando as tradicionais usam só o bacon, porque elas estavam mais baratas aqui no Pão do Céu, o supermercado daqui. Todo domingo seu avô me leva lá e eu me esbaldo.

Além do mais, acho que ficaram mais gostosas, até.
Vou mandar uma foto com elas abertas, acompanhando um Penne, porque sabes o quanto teu avô gosta deste tipo de macarrão, assim como você gosta, que eu sei:




Eu peguei uns bifes de contra-filet escondido, por que aqui a maioria é vegetariana. Tem vacas andando por todo lado. Parece que estamos no céu dos hindus, hehe!!.
Agora entendo que só existe um céu pra todo mundo. Vocês, aí embaixo, é que complicam tudo.


Abri a carne para ficar fininha com o martelo do Thor, que gentilmente me emprestou, mas quer comer aqui, também. O bom que ele é o deus do trovão e, se acabar o gás, ele esquenta o rango com os raios dele.

Depois que deixei os bifes fininhos, temperei com sal e pimenta do reino (você sabia que ela é originaria da Índia, né, e chama-se "do reino", porque a Inglaterra, que era o maior "reino" do mundo na época, dominava esse país).

Peguei as lingüiças e cortei elas de comprido em quatro partes. Fiz o sinal da cruz e repeti o mesmo corte com a cenoura.

Aí eu temperei com salsinha fresquinha da horta do Francisco. O duro é que de vez enquando ele fica peladão por lá. Mania do Chico desde que largou todas as riquezas e as vestes para abraçar a pobreza. Virou santo, mas dá uma vergonha ver ele assim.



Coloquei uns ovos cozidos e cortadinhos, porque lá na terra que nasci, se faz assim.


Fiz uma trouxinha com as cenouras e as lingüiças e "amarrei" com as fatias de bacon, assim facilita muito na hora de enrolar esse recheio com a carne.

Enrolei o bife e espetei uns palitos pra prender as pontas. Preciso sempre lembrar de tirá-los. Outro dia a Edwiges quase morreu, outra vez, engasgada. Imagina se eu posso ficar devendo uma coisa dessas pra ela, ainda mais ela que cuida dos endividados daí de baixo. Tô até com peninha de tanto que ela anda trabalhando.

Precisava de um panelão, por que tinha muita gente aqui querendo experimentar. Aí não teve jeito, pedi emprestado ao Lucifer, que veio fazer uma visitinha e tentar vender uns títulos do clube dele lá embaixo. Disse que a coisa era quente, mas, sei que lá tá cheio demais pro meu gosto. Detesto esses climas quentes, você sabe.

Coloquei bastante óleo e deixei fritando bem, até ficarem douradinhos.

A diferença da brachola (alguns chamam de brachiola, sei lá por que) e do bifê a rolê é pequena, mas a brachiola (ou brachola) leva ovos e não é feita na pressão, por que naquela época nem tinha essas modernidades de panela de pressão.

Quando eles ficaram bonitos, bem cozidinhos, eu coloquei os pomodoros, aqueles tomates já prontinhos que são uma mão na roda para fazer um suculento molho de tomate.

Cozinhamos um montão de macarrão e lascamos queijo ralado nele.

Demorou um pouquinho, então, enquanto a galera celestial esperava, fiz uma bruschettas pra eles. Já tinha gente me mandando pros quintos dos infernos pela demora. Que pecado !!!



Peguei o pão, levantei e dei graças aos céus (por aqui é meio obrigatório fazer isso).
Depois passei um dentinho de alho nas fatias, menos pro Vlad, ele detesta alho, e coloquei um pouco de molho de tomate e uns pedaços de mozzarella, da lingüiça que sobrou da brachola e orégano.

O duro quando a gente parte o pão aqui, é que logo vem chegando aquela turminha dos doze amigos do Jesus com aquele papo de "vamos repartir, vamos repartir" e quase não sobra nada pras bruschettas.



Coloquei no forninho do meu amigo Vulcano e em minutos estava pronto. Segurou a galera enquanto preparava a pasta com as bracholas.

O filho do dono deste lugar é um cara pra lá de simpático, mas ele é meio desleixado, muito barbudo e cabeludo, parece um hippie. Ele chama-se Jesus, mas os íntimos o chamam de Jê.
Vive cercado de gente, mas, também vou te contar, o rapaz diz que ama todo mundo. Muito dado esse rapaz!!!

Ele viu que tinha pouco vinho, levantou as mãos, pensei até que ele ia reclamar, mas ele fez um milagre e surgiu vinho em tudo quanto era jarra. Bebi até não poder mais.

Era um vinho muito bom que apareceu do nada e de graça. Até pensei em guardar um pouco e servir com umas bolachinhas bem fininhas que eu faço pra levar na missa de domingo. Lá eles são muito pão-duros, só dão uma pra cada um. Por isso que o pessoal não engole. Ficam enrolando com ela na boca pra durar mais.

A moçada adorou a exibição. Parecia o Moisés quando sirvo a minha sopinha e ele fica dividindo ela no meio para colocar uns croutons.
Sempre capricho muito na comida dele com medo das pragas que ele pode mandar em cima de mim. O Ramsés, também, morre de medo dele.

Por falar nisso, o Moisés tem novidades: Já re-escreveu nove dos dez mandamentos. Falta um só.
Ele tá em dúvida naquele sobre cobiçar a mulher do próximo. Ele acha que não pega mais esses lance aí embaixo. Ele ia publicar "Não cobicará a mulher "e" o homem do próximo", mas na hora de imprimir as tábuas, travou o PC dele. Aí sim eu vi o que é rogar pragas !! Pobre Bill Gates, espero que não esteja morando no Egito.
Outra novidade é que eu dei, no aniversário dele, um celular com GPS, assim ele não fica mais 40 anos perdido no deserto. Ele amou, tá todo posudo andando por aí com ele. E sem se perder.

Quase todo mundo ficou de porre com o vinho do Jê, mas o pessoal daqui tem que se controlar, se não o chefão manda lá pra baixo de novo e ninguém quer voltar para aí.

Teu avô já ficou ligado e fez uma proposta para engarrafar e distribuir a produção Dele, mas Ele não aceitou e disse que quem manda mesmo é o Pai que não pode comparecer hoje porque foi ver o jogo com o Paulo, que mantém um time por aí no Morumbi e vive pedindo ajuda pra Ele, mas parece que nem com Ele a coisa anda bem.



Comemos quase tudo, mesmo correndo o risco do pecado da gula, mas desperdiçar, também, é pecado.

Chato mesmo foi o David que trouxe um tal de Golias e o cara é grande pra cacete e comeu muito. O tampinha até que é legal, mas o altão é um guloso de marca maior.



Depois foi um tal de procurar um cantinho pra deitar e tirar uma sonequinha, menos o Sidarta que ficou sentadinho no canto. Foi o que mais comeu, também tá gordo feito sei lá o quê. Tá lá até agora. Parece o Buda !!!

Mas você me perguntou como eu fazia aqueles brigadeirões, né?

Eu chamava de "Palheta". Acho que eu misturava o nome daquele doce italiano chamado "Palha italiana" (bom se é um doce italiano tinha que se chamar palha italiana, dããã!!!) e eles tem muito a ver. Só que em vez de biscoitos, eu usava um bolo de chocolate bem molhadinho.



Olha, eu fazia assim e, como você sempre diz, prestenção:

Uma panela com uma lata de leite condensado, mais quatro colheres de Nescau e um colherinha de manteiga, em fogo baixo fazem um brigadeiro normal.
Não caia em tentação e já começa a comer, viu, porque tentação é pecado e quero te ver aqui em cima, um dia.


Fazia um bolo de chocolate bem úmido e aí eu misturava os dois, e colocava rum, mas, não vai contar pro seu pai que ele me mata de novo. Já me basta ter morrido uma vez.

Depois eu passava no granulado, chocolate raladinho ou no cacau em pó.

Lembra deles, ficavam assim:




Fica uma delícia e acabei fazendo aqui, também, mas eu e minha boca grande fui contar que ia fazer isso pra Madalena e ela contou pra todo mundo. Aí, como eu queria que ela se arrepende-se disso, também !!!!

Tive que fazer um montão, comeram tudinho, mas sobrou uns para tirar uma fotografia com a máquina do Kirlian, aquele que tentava fotografar a alma. Homem muito legal ele, mas só emplacou a máquina aqui em cima. Agora ele está desenvolvendo uma que fotografa o corpo, porque aqui só tem almas.
 
Bom meu neto querido, vejo que você está feliz, fazendo as coisas que gosta e tendo muitos amigos que sempre elogiam a sua comida. Isso é bom, sempre devemos seguir nossos sonhos.

Eu vou ficando por aqui, por que o João cismou de fazer uma fogueira e quer que todo mundo vá lá no quintal da nuvem dele dançar em volta dela.
Ele, o Antônio e o Pedro estão sempre juntos nessa época. Parecem uma quadrilha.

Manda um beijo a todos que ainda estão aí embaixo e você, veja se aproveita cada minuto, por que a vida passa tão depressa que, muitas vezes, nem percebemos e ela já se foi.

O Alan, vive dizendo que podemos ter muitas vidas, reencarnando a toda hora, mas eu não curti muito a idéia de deixar esse lugar e voltar para essa bagunça aí de baixo. Nem o Kaká quer descer de novo.

Só sinto saudades mesmo é da família e dos amigos que ainda estão por aí.
Essas são as coisas mais importantes que levamos pela vida. Aprende e valoriza isso, meu neto querido.

Deus te abençoe, mesmo não acreditando nele..

Aliás Ele morre de rir quando escuta você falando que ele não existe.
Fica na frente do espelho dizendo: - Olha eu aqui, olha eu aqui !!!

Repete a toda hora, se eu não existo, porque eu apareço em todos os lugares, quer seja em uma flor, quer seja num por de sol, vejo tudo, estou em tudo.

Cá entre nós, meu neto, essa mania de onipresença Dele já me encheu. Queria um pouco de privacidade. É duro fazer as coisas com alguém sempre olhando.



Seu avô manda um abração e manda dizer pro seu pai que todo mundo da família fica careca. Sei que é sacanagem dele, mas ele adora encher seu pai com isso.

Beijos da vovó gorda. Ainda bem que aqui no céu não tem balança, só aquela constelação, mas ela fica longe daqui. Ainda bem !!!


Dobrei a cartinha, guardei aqui no bolso da camisa do lado esquerdo e deite-me.

Dormi com um sorriso na face, mas morrendo de saudades do macarrão com bracholas da minha avó, do brigadeirão da minha tia, das coisinhas da outra avó, do cigarrinho que filava escondido do meu tio, das tardes com meu primo, dos passeios com meu avô, das conversas com os amigos que já foram, de uma amada mulher que me deixou de repente sem avisar ninguém, de...

Acho que, além do sorriso na boca, tinha umas lágrimas nos olhos, também.



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Texto e fotos de minha propriedade. Registrado.