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Especiarias - História e Estórias








Hoje vou falar de especiarias. Sim, ninguém dá muita bola hoje em dia pra isso, mas elas tem um importância não só na culinária, mas também na História.


Alguém que pára na frente de uma gôndola de um supermercado consegue fazer uma viagem? Consegue se transportar no tempo? Consegue enxergar que o mundo que conhecemos hoje foi delineado pela busca das especiarias?


Eu não conseguia. Até agora. Mas depois de pesquisar essas dádivas dos céus, segundo alguns autores, minha visão mudou completamente e por isso escrevo esse artigo mostrando que aquele saborzinho a mais em seu prato tem mais história e estórias que você pode imaginar. Especiarias podem ser cascas de árvores, raízes, frutos secos e brotos e sementes, íntegras ou secas ou, o mais comum, trituradas em pó. Levam a nossa imaginação a lugares distantes em tempos imemoriais.


Faremos uma viagem pelas Rotas da Seda, Oriente Médio, das Ilhas Malucas aos portos de Malaca. Sri Lanka e Kerala, pela Arábia, Europa e o Novo Mundo.


O uso destes grãozinhos mágicos remonta a história da sociedade, quando o homem pré-civilizado resolveu parar de ser nômade e dar início a agricultura, sedimentando-se em um lugar.
O termo tem origem em uma palavra francesa que significa “especial”.
Os antigos achavam que era um presente vindo diretamente do paraíso.
Os egípcios mumificavam seus mortos com cominho, os chineses queimavam cravos para se unir ao mundo espiritual e muitos europeus da antiguidade achavam ser elas a única cura contra a devastadora peste.
A partir daí o mundo não seria mais o mesmo e surgiram novas maneiras de preparar o prato nosso de cada dia.

As especiarias mudaram nosso mundo e não só nossos pratos.


Com o passar dos anos, a culinária foi tornando-se uma das partes mais importantes do dia a dia da civilização. Reis e Imperadores tinham experts em suas cozinhas e suas diferenciações estavam exatamente em como preparar algo de modo a ficar delicioso e ao mesmo tempo usar os ingredientes que lhes são comuns. Afinal um bife é um bife, aqui ou na China. A diferença está em como se prepara. E o que ele leva a mais.

Entram, então, os temperos, as especiarias que transformam uma simples peça de fibra muscular em um delicioso Beef Bourgnion.
Mas como será que isso mudou o mundo?


As idéias nos dias de hoje, talvez, não remontem a sofrida luta em busca das tais especiarias, onde milhares, se não milhões, de vidas foram perdidas em batalhas encarniçadas, em lutas territoriais sangrentas e de domínios seculares por forças estrangeiras em nações que antes sequer figuravam nos mapas antigos.

Visadas, também, como medicinais e afrodisíacas, tiveram o poder de construir impérios e destruir vidas.


Muitas estórias eram contadas para valorizar o seu preço como a que dizia que a Canela vinha de ninhos protegidos por aves gigantes e que a pimenta era coletada do bafo de um terrível dragão.

A nação mais antiga que temos registros escritos e que mais valorizou os temperos foi Roma, embora não seja a única.
Eles, simplesmente, eram doidos por pimenta, o ouro negro, que valia mais que o próprio e era usada como moeda.
No livro mais antigo conhecido, ligado à culinária, do autor Apicius, mostra claramente a importância das especiarias e em mais de dois terços de suas receitas ele termina com um repetido chavão:
E polvilhe pimenta ao final.
Suas receitas, invariavelmente, envolvem ingredientes que o exército imperial recolhia pelo mundo.
Muitas conquistas foram atrás de riquezas e uma das maiores era as especiarias.

Loucos por pimentas, que só eram produzidas em Malabar, na Índia e até hoje em Kerala, o porto de Cochin é um dos mais movimentado por causa deste grão.
Produzida há milhares de anos, é colhida e tratada de modo a serem negras, quando são expostas ao sol, até murcharem e as brancas, quando colhidas em fase vermelha, encharcadas e secas, tornando-as mais suaves.


A mais impressionante cidade construída pelos romanos fora de Roma é Baalbek, oitenta quilômetros a leste do Líbano, onde os comerciantes traziam do Egito, em imensas caravanas de camelos e de todo mundo, especiarias e cruzavam a Turquia em direção a Roma. A viagem, desde sua origem demora cerca de três anos. Inimaginável nos dias de hoje.


Uma obra monumental, que só quem teve a visão de seu templo gigantesco ao deus Júpiter é capaz de ecomreender o poder do Império Romano e sua obsessão por esses temperos.
Uma cidade estupenda, construída em cima do comércio de algo que, hoje, apenas abrimos um saquinho para usar, sem dar a menor importância.


Embora os romanos não tenham sido os primeiros a usar especiarias na culinária, foram os primeiros a usá-la em escala “industrial”, mas, não podemos esquecer que não havia meios de conservação como existe nos dias de hoje e as especiarias serviam, além de dar o sabor, para conservar ou mascarar a degeneração das carnes.


Sua influência era tão importante, que espalhou-se por todo o Império, das fronteiras do continente asiático até a Grã-bretanha, e  encontramos casas com afrescos romanos mostrando a importância do ouro negro, que na época era a pimenta e não o petróleo dos dias de hoje.
Sua contribuição a culinária é imensa, não só em seus usos, mas na modificação de alguns ingredientes, como o caldo de peixe, de origem hindu, mas que transformado em um palatável caldo de bebida fermentada e filets de anchovas, ainda muito usado na culinária oriental e, também, na ocidental.


Notoriamente devemos aos chineses o comércio de especiarias, feitos desde aproximadamente 200 AC.
A famosa Rota da Seda não servia apenas para levar os cultuados fios feitos pelas larvas, mas, também, as novidades.
Os chineses descobriram a Indonésia e nela havia novas especiarias como a Noz-Moscada, da Ilha de Banda, muito usada em molhos e no espinafre.
Os cravos que de lá, também, saíram das ilhas vulcânicas do arquipélago contam eugenol, conhecido por suas funções anti-sépticas e usado até hoje em muito enchaguantes bucais. De lá vieram, também, o Aniz-estrelado, a pimenta Sechuan, a Cásia e a Canela chinesa.


Outra menção deve ser feita aos árabes, intermediários de extrema importância nesta viagem das especiarias.
Os cristãos da Europa, por motivos diversos, não iam buscar as especiarias no oriente, abrindo caminho para os notórios comerciantes árabes.
Alexandria e Trípoli, no Líbano, se tornaram potências muito ricas devido ao comércio das especiarias, poder esse que depois ajudou a sedimentar as invasões árabes pela Europa.
 Às já conhecidas especiarias foram adicionadas novas como o Sumagre, um tipo de árvore que serve para azedar os alimentos, assim como hoje usamos o limão, o Cardamomo, oriundo do sul da Índia e colhidas à mão e por isso uma das especiarias mais caras do mundo, o Cominho, que embora seja tradicional do mediterrâneo do sul, somente com a invasão árabe seu uso se tornou corriqueiro e a Canela em pó, usada como afrodisíaco nos haréns dos sultões, onde suas concubinas passavam o pó pelo corpo para agradar seu mestre.
Isso sem contarmos as invasões árabes no continente africano, onde até os dias de hoje sua presença é marcante na culinária, como em Marrocos, do mesmo jeito que ocorre na Espanha.


Voltaremos apenas uns seis séculos atrás, embora saibamos que essa história possua mais de cinco milênios e deixaremos de lado as lendas, as deliciosas estórias antigas dos chineses e indianos, pois teria que fazer um livro e não simplesmente um artigo.


Vasco da gama, financiado por nobres e pela coroa portuguesa não estava atrás de figurar no Guiness Book da época. Estava atrás de algo rico e comercialmente poderoso: as Especiarias, além do ouro, claro.
Sua expedição em 1487 tinha como objetivo principal a chegada às Índias.

E por que?

Porque lá se encontrava a especiaria mais procurada na época, a nossa amada e comumente usada pimenta do reino e ainda outras como o cravo, muito utilizado na época até como remédio.

Os portugueses recuaram ante ao domínio dos venezianos e lutaram a encontrar caminhos alternativos, culminando com a invenção de um navio que velejava contra o vento. A partir deste invento, o mundo mudou para sempre.


Foram os mais ferozes desbravadores, os portugueses, porque seu país situa-se na ponta da rota do comércio das especiarias, tornando-as caras.
Circundar a ponta sul da áfrica, onde depois de sua vitória passou a se chamar Cabo da Boa Esperança, tinha como objetivo alcançar o mundo oriental, sem ter que passar pelos territórios árabes ou por terras dominadas pelos famigerados inimigos, os espanhóis.


Ao chegar a Moçambique, onde fundaram uma colônia escrava, cujo marco principal, o forte de São Sebastião ainda desponta esplendorosamente sólido, sua meta não era outra se não encher seu navio com riquezas da época: Ou era o ouro e escravos ou eram especiarias.
Pode-se imaginar um porão lotado de grãos bem cuidados e escravos sofredores.


A ele, Vasco da Gama, se deve o desbravamento, mas também a muitos pratos saborosos na mesa dos portugueses.
Sua viagem, coroada de sucesso, o tornou um herói em suas terras.
E os portugueses continuaram pela costa leste africana, conquistando, matando e escravizando, retirando a beleza dos livros de história, mas chegando as costas de Malabar e seu porto Calecute e com seu poder de fogo expulsando os concorrentes e chegando a Índia.
Enfrentando piratas, inimigos e o Oceano Índico, eles escreveram novas rotas e um novo mundo a se explorar. E os pratos dos portugueses se encheram de cúrcuma, cardamomo, gengibre, pimenta e canela, entre outras.

Vendo perder a luta para Portugal, a Espanha recorre a uma solução inédita na época: Ir para o lado oposto. O ocidente. E nas mãos de Cristóvão Colombo parte uma frota, atrás de riquezas inimagináveis.
A descoberta das Américas está intimamente ligada às especiarias.


Ao aportar na América Central, nunca mais a gastronomia foi a mesma.
Podemos imaginar um mundo sem tomates, sem baunilha, sem pimentões, chiles, feijões?
Inimaginável e amargo um mundo sem o chocolate.


A contribuição mexicana, por exemplo, ao mundo culinário é maior que um simples “taco” ou “guacamole”, pratos que deram fama mundial a culinária mexicana.
Pensando bem, podemos afirmar que a “pimentinha” e os “tomates” mudaram o Mapa Mundi, em um processo que durou aproximadamente dois séculos. Isso sem falar de outros comestíveis, como a batata.

As pimentas recém descobertas no novo mundo eram diferentes das pimentas conhecidas, normalmente de procedência oriental, principalmente da Índia.
Elas tinham diferenças marcantes e além de serem temperos, eram elas próprias o prato principal, tomando apenas o cuidado de sempre testar sua ardência. Imaginem, existe uma escala chamada de Scoville, onde se mede o grau de ardência das pimentas, onde ao conhecido pimentão dá-se uma nota 250, enquanto as pimentas Habanero chegam à escala de 300.000. Arde só de olhar.


Enfim, a cada dia surgem especiarias novas, algumas que vingam e se tornam indispensáveis ao dia a dia, ou a um prato específico e outras que apenas são modas passageiras, lembrando que há várias especiarias, nos dias de hoje que figuram como “super stars” da culinária, como as favas de Baunilha, um tipo de orquídea, e o Açafrão, a especiaria mais cara do mundo e que vem da terra de Don Quixote e seus moinhos, a Espanha.
 Para se ter uma idéia quando reclamamos do preço, para se fazer um grama de açafrão deve-se colher à mão o estigma de mais de 500 flores, da espécie Crocus Sativus e elas só nascem em determinadas épocas, poucas semanas do ano, e apenas em um lugar ao largo do Mar mediterrâneo.
Mas o que seria da maior contribuição culinária espanhola, a Paella, se não fosse seu sabor e as cores marcantes.

Enfim, as especiarias estão intimamente ligadas a todo o processo que moldou a nossa rota através dos tempos, colocando mais sabor, conservando por mais tempo alimentos, mas, também,aumentando o mapa do mundo.
Talvez, em se falando de alimentação, nem o sal e toda a sua importância, obteve tanta história. Ele é necessário, mas em muitos e muitos pratos pode ser substituído por uma contingente enorme de especiarias.

Nosso destino, nossas nações, nosso modo de ver o mundo através da história e como este se apresenta nos dias de hoje, em tudo, acaba resvalando em alguns grãozinhos, pauzinhos ou florzinhas.




Acho que a partir de agora você quando olhar os expositores e as gôndolas nos mercados da vida não verá apenas vidros e saquinhos.
Verá, também, a história de todos nós. Uma parte da história da humanidade

2 comentários:

  1. Adorei, com certeza vou passar a enxergar os temperos com outros olhos.....

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  2. Ai assim que eu abri esse bolg me deu uma fome imensa, se eu não me segurasse, poderia comer a tela do computador.

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